quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O QUE SE PODE FAZER DE HISTÓRIA NAS AULAS DE MATEMÁTICA?

Uma vertente pouco cultivada é a da História. Essencialmente, retratar, pelos seus próprios depoimentos, a vida e obra de matemáticos brasileiros. Além da valorização e do reconhecimento da contribuição de nossos conterrâneos à Matemática e à sua difusão aqui no Brasil, esse trabalho servirá para preservar a memória nacional, extremamente importante para os historiadores do futuro.

Nos países que foram berço de desenvolvimento matemático, uma prática interessante tem sido "Excursões Matemáticas" de cunho histórico. Por exemplo, visitas à casa onde nasceu Isaac Newton, à universidade onde estudou. Outra atividade é o levantamento de monumentos dedicados a um matemático célebre e também a iconografia. No Brasil esse material é paupérrimo. Mas há possibilidades. Por exemplo, uma excursão à Queluz, Em Portugal, onde há um pequeno museu de Malba Tahan, é muito interessante. Ou mesmo visita para reconhecimento de obras à bibliotecas públicas e privadas.

Mas há muita matemática feita por não matemáticos. Por exemplo, Fermat muitas vezes é chamado "o Príncipe dos Matemáticos amadores". Mas também é claro que há muita matemática implícita em obras não matemáticas, do dia-a-dia. Essa é uma das grandes lições que tiramos da História da Matemática. Muitas das grandes teorias matemáticas tem sua origem em práticas cotidianas.

SUGESTÕES PARA PROFESSORES

Qualquer indivíduo, durante todo o seu dia, calcula, mesmo sem se aperceber disso, tempo e espaço, e traça planos de ação. Identificar essa Matemática do cotidiano é algo que pode ser muito bem explorado pelos professores. É atual, interessante e útil.

Um outro exercício interessante, de natureza histórica, é o levantamento de fatos matemáticos numa comunidade. Desde o traçado da cidade (em alguns casos, as cidades brasileiras foram planejadas) até a construção e localização de monumentos. Os urbanistas, os arquitetos, os políticos e empresários, todos fizeram um estudo preliminar e um projeto para suas ações. Fizeram um modelo ou um planejamento, sempre repousando sobre uma análise matemática. Isto pode ser objeto de interessantes pesquisas.

Uma outra sugestão também de caráter histórico: escrever sobre professores secundários de matemática que marcaram uma escola ou mesmo uma comunidade. Se ainda vivos, entrevistá-los. Se já falecidos, entrevistar parentes, amigos, ex-alunos. A memória de matemáticos, de professores de matemática e de atividades matemáticas brasileiras é muito importante e deveria ter prioridade em cursos de História da Matemática. Dão excelentes e importantes temas para monografias, dissertações e teses, e mesmo temas para projetos de pesquisa para docentes e pesquisadores.

Mas voltemos às reflexões sobre o ensino da História da Matemática como ele é mais comumente entendida no mundo acadêmico. Está claro que não será possível a um professor de matemática explicar a origem histórica da matemática, mesmo que se restrinja a alguma sub-área específica. Essa é uma questão das mais desafiadoras. Muitas vezes se apresenta a História da Matemática no ensino como algo definitivo, insinuando "isso foi assim", o que pode ser falsificador. A História da Matemática no ensino deve ser encarada sobretudo pelo seu valor de motivação para a Matemática. Deve-se dar curiosidades, coisas interessantes e que poderão motivar alguns alunos. Outros alunos não se interessarão. Mas isso é natural.

Jamais deve-se dar a impressão, através de um desfilar de nomes, datas, resultados, casos, fatos, que se está ensinando a origem de resultados e teorias matemáticas. Sabe-se que as necessidades e as idéias vão se organizando ao longo da história, em tempos e lugares difíceis de serem localizados. Numa certa época, as idéias começam a se organizar, a tomar corpo, e a serem identificadas como isso ou aquilo. A partir daí entram para a "história". Mas não nasceram assim.

Outra maneira de se praticar história no ensino é fazer acompanhar cada ponto do currículo tradicional por uma explanação do contexto socio-econômico e cultural no qual aquela teoria ou prática se criou, como e porque se desenvolveu. Isso é muito freqüente nos cursos de história da matemática.

Para se adotar essa prática, a formação do professor é essencial. Nas boas licenciaturas há uma ou duas disciplinas de História da Matemática. Mas nem todo professor teve um curso de História da Matemática ou tem acesso a livros especializados. A preparação que permite ao professor fazer uma abordagem histórico-crítica exige um aprendizado permanente. Geralmente vem como resultado de ele ter feito as disciplinas tradicionais dos programas e de ter refletido sobre esses cursos, feito leituras e lido curiosidade sobre os conteúdos tradicionais. Insisto na palavra sobre. Não é necessário que ele conheça profundamente o tema para poder falar sobre o tema. Mas é importante que ele esteja preparado para dizer "Isso não sei" ou "Isso eu não consegui entender". Um professor que não for capaz de dizer isso para seus alunos será extremamente limitado, amedrontado e as suas aulas serão muito pobres e enganadoras.

O que seria uma preparação histórica básica, essencial, para todos os professores de Matemática? O que se encontra no Almanaque Abril 1995, pp.688-695 responde a essa pergunta. Ali há uma listagem cronológica de fatos e indivíduos que é o essencial na evolução da Matemática. O ideal, que é muito fácil de se conseguir, é acompanhar essa leitura com uma listagem cronológica dos grandes eventos internacionais, sempre acompanhando o exame dos fatos com a consulta a um Atlas -- que o próprio almanaque traz. Assim será possível localizar os lugares dos quais se está falando e o contexto internacional quando se deu o fato matemático. É interessante notar a forte concentração geográfica da produção matemática em certos períodos da história e como essa concentração se desloca.

Poucos professores conhecerão tudo o que é mencionado nessa história sintética e cronológica. Aparecerão nomes de indivíduos e referências a teorias sobre as quais o professor nunca ouviu falar antes. Isso pode ser uma motivação para que o professor tenha curiosidade de ver do que se trata. Caso ele não tenho acesso a livros mais especializados, ele pode consultar uma Enciclopédia, que é uma excelente fonte de informação. Ou pode, através da Internet, freqüentar algumas das inúmeras listas de discussão sobre a História da Matemática.

Também é muito interessante gastar um tempinho falando sobre as pessoas que estamos estudando. Por exemplo, sempre dando lugar e data de nascimento e de morte - se é que já morreu! Há muito material acessível sobre isso. Uma enciclopédia geralmente traz essas informações sobre os nomes mais importantes. Também os livros correntes de história da matemática têm essas informações. Em particular os livros de Carl B. Boyer, Howard Eves e de Dirk Struik.

Veja a versão completa deste artigo em Interface entre História e Matemática

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